terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Um “silencioso e eficaz exorcismo”

Então um homem possuído por um espírito imundo pôs-se a gritar: ‘O que temos nós a ver contigo, Jesus de Nazaré? Viestes para nos destruir? Sei quem tu és: o Santo de Deus’. Jesus, então, disse: ‘Cala-te e sai dele’. E agitando-se violentamente o espírito imundo deu um forte grito e saiu dele”.

O que pensar deste episódio e de muitos outros acontecimentos análogos presentes no Evangelho? Existem ainda os “espíritos imundos”?Existeo demônio? 

Quando se fala da crença no demônio, devemos distinguir dois níveis: o nível das crenças populares e o nível intelectual (literatura, filosofia e teologia). No nível popular, ou de costumes, nossa situação atual não é muito distinta da Idade Média ou dos séculos XIV-XVI, tristemente famosos pela importância outorgada aos fenômenos diabólicos. Já não há, é verdade, processos de inquisição, fogueiras para endemoninhados, caça de bruxas e coisas do estilo; mas as práticas que têm no centro o demônio estão ainda mais difundidas que então, e não só entre as classes pobres e populares. Transformou-se em um fenômeno social (e comercial!) de proporções vastíssimas. E mais, diria que quanto mais se procura expulsar o demônio pela porta, tanto mais volta a entrar pela janela; quanto mais é excluído pela fé, tanto mais prende na superstição.
Muito diferentes estão as coisas no nível intelectual e cultural. Aqui reina já o silêncio mais absoluto sobre o demônio. O inimigo já não existe. O autor da desmistificação, R. Bultmann, escreveu: “Não se pode recorrer em caso de enfermidade a meios médicos e clínicos e por sua vez crer no mundo dos espíritos”.
Creio que um dos motivos pelos quais muitos acham difícil crer no demônio é porque se busca nos livros, enquanto que ao demônio não interessam os livros, mas as almas, e não se encontram freqüentando os institutos universitários, as bibliotecas e as academias, mas, precisamente, as almas. Paulo VI reafirmou com força a doutrina bíblica e tradicional em torno deste “agente obscuro e inimigo que é o demônio”. Escreveu, entre outras coisas: “O mal já não é só uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e perversor. Terrível realidade. Misteriosa e espantosa”.
Também neste campo, contudo, a crise não passou em vão e sem trazer inclusive frutos positivos. No passado, com freqüência se exagerou ao falar do demônio, foi visto onde não estava, muitas ofensas e injustiças cometeram-se com o pretexto de combatê-lo; é necessária muita discrição e prudência para não cair precisamente no jogo do inimigo. Ver o demônio por todas as partes não é menos errôneo que não vê-lo por nenhuma. Dizia Agostinho:“Quando é acusado, o diabo se satisfaz. É mais, quer que o acuse, aceita com gosto toda tua recriminação, se isto serve para dissuadir-te de fazer tua confissão!”.
Entende-se portanto a prudência da Igreja ao desalentar a prática indiscriminada do exorcismo por parte de pessoas que não receberam nenhum mandato para exercer este ministério. Nossas cidades pululam de pessoas que fazem do exorcismo uma das muitas práticas de pagamento e atuações de “feitiços, mau-olhado, má sorte, negatividades malignas sobre pessoas, casas, empresas, atividades comerciais”. Surpreende que em uma sociedade como a nossa, tão atenta às fraudes comerciais e disposta a denunciar casos de exaltado crédito e abusos no exercício da profissão, haja muitas pessoas dispostas a acreditar em superstições como estas.
Antes ainda que Jesus dissesse algo naquele dia na sinagoga de Cafarnaum, o espírito imundo sentiu-se desalojado e obrigado a sair descoberto. Era a “santidade” de Jesus que aparecia “insustentável” para o espírito imundo. O cristão que vive em graça e é templo do Espírito Santo leva em si um pouco desta santidade de Cristo, e é precisamente esta a que opera, nos ambientes onde vive, um silencioso e eficaz exorcismo.
 
Raniero Cantalamessa,ofm

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